Enquanto um país permitir que uma cidade entre em guerra de igual para igual entre polícia e tráfico, esse país viverá em vergonha.
Enquanto um país permitir que uma cidade fique à merce do desejo de bandidos, esse país viverá em vergonha.
Vergonha de um Estado fraco, falho e corrupto. Um Estado cujos braços não alcançam regiões significativas de uma cidade, que conhece o sentido mais amargo da anomia.
Dizem que os que comandam o tráfico não podem ser presos, porque já estão presos, comandando este mercado ilegal, esse tumor das sociedades modernas, de dentro das paredes das penitenciárias de “segurança máxima”. Mas será que estão presos mesmo? Ou será que os verdadeiros líderes não se encontram em posições, digamos assim, “intocáveis”?
Qual será o sentimento das famílias desses civis que são atingidos nessa guerra urbana que, na verdade, nunca para? Qual será o sentimento? Imagino que seja um sentimento de revolta muito, muito grande, capaz de tornar o resto de suas existências muito amarga e dolorosa.
Quando os indivíduos vivem em situação frequente de medo, de insegurança, de desconfiança, como ocorre no Brasil, questões importantes da psicologia e da sociologia dessa sociedade, passam a ser observadas (ainda me lembro muito bem do que São Paulo viveu em maio de 2006, quando criminosos acreditaram ter o poder da cidade, e a população reforçou fortemente essa crença, sentindo, então, o quão importante é o "tal braço armado" do Estado).
Como pode um país que não dá conta de seus famintos, de seus traficantes, de seus políticos corruptos, abrigar uma Copa do Mundo e uma Olímpiada. Será que esse país não tem coisas mais importantes com as quais se preocupar? Ou será que isso prova, mais uma vez, que o povo brasileiro é o exemplo vivo da máxima romana “panis et circenses”?
Alienação, anulação, ignorância, aversão ao conhecimento de tudo que diz respeito à vida civil, à vida política, à justiça. Apenas num país de mansos políticos fazem e desfazem, mandam e desmandam, roubam e riem da cara do cidadão ano após ano, século após século. Apenas num país de mansos.
Falta ao povo brasileiro menos acomodação no que diz respeito à coisa pública e mais envolvimento com o país, envolvimento genuíno, e não envolvimento em época de futebol e de fórmula 1.
Não posso dizer que chego a sentir vergonha de ser brasileira, porque não sinto vergonha de nada do que me tornei ou do que fiz, ainda que sinta que tantos anos de estudo e trabalho em prol de um país melhor, de pouco serviram. Mas sinto decepção, desilusão e um pouco de nojo.
Nojo do país que não tem mais jeito.